Juiz federal irá ao Senado amanhã para discutir projeto de lei que prevê punição a abuso de autoridade por juízes, procuradores e outras classes
O juiz federal Sérgio Moro participa de palestra sobre corrupção em São Paulo (SP) - 04/10/2016 (Miguel Schincariol/AFP)
Convidado para debater nesta quinta-feira a lei de abuso de autoridade contra membros do Poder Judiciário, da polícia e do Ministério Público, o juiz federal Sergio Moro, responsável pelos processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, apresentará aos senadores uma espécie de emenda ao projeto para garantir que magistrados ou investigadores não sejam punidos caso suas decisões sejam revistas por uma interpretação diferente da lei ou uma nova valoração das provas de um caso. O projeto de abuso de autoridade que tramita no Senado é apoiado pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo de 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal, sendo oito relacionados ao petrolão.
Na madrugada desta quarta-feira, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou proposta que pune juízes e magistrados por abusos, mas o texto, vago, estabelece que essas autoridades podem sofrer sanções no caso de “expressar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento” ou promover a “instauração de procedimento sem que existam indícios mínimos de prática de algum delito”. Pelo texto aprovado na Câmara, será responsabilizado “quem ajuíza ação civil pública e de improbidade temerárias, com má-fé, manifesta intenção de promoção pessoa ou visando perseguição política”. Como é controversa a aferição se um magistrado ou procurador, por exemplo, agiu com má-fé ou temeridade, Moro vai sugerir ao Senado que seja incorporado à lei trecho que estabelece que “não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual penal ou na avaliação de fatos e provas”.
Moro argumenta que “direito não é matemática e pessoas razoáveis podem divergir razoavelmente na interpretação da lei e na avaliação de fatos e provas”. Segundo o juiz federal, “sem salvaguardas, a lei terá o efeito prático de restringir a atuação vinculada à lei e submeter Juizes, Desembargadores, Ministros, Promotores e Policiais a acusações ou a ameaças temerárias por parte de criminosos, quer membros de organizações criminosas, traficantes, terroristas e mesmo envolvidos em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro”.
O principal risco do projeto de lei de autoria do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de acordo com o Sergio Moro, é a potencialização do “crime de hermenêutica”, ou seja, “a criminalização da interpretação ou aplicação independente da lei”.
“Caso acolhida esta singela sugestão, restará afastada parte dos principais receios de que a nova lei de abuso de autoridade tenha o efeito prático de tolher a independência da magistratura e a atuação vinculada à lei por parte do Ministério Público e da autoridade policial, o que prejudicaria não só a assim denominada Operação Lava-Jato, mas também todas as outras investigações e persecuções criminais e a própria aplicação imparcial e independente da lei penal”, diz o juiz federal no ofício.
A estratégia de Sergio Moro acaba por colocar os senadores nas cordas, uma vez que o Congresso já está sendo acusado de tentar tolher a independência dos promotores, procuradores e juízes. O Ministério Público, por exemplo, se insurgiu contra a votação ocorrida na madrugada desta quarta na Câmara. Com a emenda-Moro, o Senado ou acolhe a sugestão e deixa clara a ressalva de que interpretações divergentes de diferentes instâncias judiciais não podem ser enquadradas como abuso de autoridade ou corrobora a decisão dos deputados e endossa o que o MP classifica como mordaça às investigações.
No ofício a ser encaminhado aos senadores, o juiz da Lava-Jato também destaca que “este não é o melhor momento para deliberação sobre o referido projeto, uma vez que eventual aprovação poderia ser interpretada como tratando-se de medida destinada a prevenir o avanço de investigações criminais importantes, entre elas a assim denominada Operação Lava-Jato”. Ainda assim, afirmou que “é imprescindível evitar que seja criminalizada, na prática, a interpretação da lei e a avaliação dos fatos e provas pela autoridade judicial, pela autoridade do Ministério Público e pela autoridade policial”.
“Não é o melhor momento”
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